A guardadora de palavras e o seu desejo por longas histórias



Eu tenho uma enorme dificuldade em escrever longas histórias. Minha ansiedade me leva a querer concluir brevemente o destino de meus personagens. Em meu diário de poesia deixei escrita uma frase que condiz exatamente ao meu estado de espírito: A ansiedade (quase sempre) me é um não para o mundo. Visito blogs amigos, vejo o que produzem e penso cá comigo mesma: “Quando conseguirei escrever de tal maneira? Será meu cérebro atrofiado tanto quanto os meus pulmões que, numa aula de expressões artísticas, constatei essa triste e asfixiante descoberta?”.
Escrevo umas linhas que não passam de curtos poemas. O fato é que eu quero provar a mim mesma que consigo ser mais que isso. Então eu lembro do tempo em que era criança (e até hoje nunca descobri quando passei a pertencer ao mundo dos adultos de livre e espontânea vontade) e meus olhos e minhas mãos percorriam as páginas dos livros de português da escola quase como se as palavras fossem serem tocáveis. Eu necessitava tocar, sentir o cheiro do livro. E aqui me lembro também de um personagem dum livro do Patrick Süskind, o Jean-Baptiste Grenouille, que a tudo cheirava com enorme e mórbido prazer. Há uma diferença entre ele e eu: não costumo ter comportamento mórbido, fato.


Olhava meus dedos e via as letras que se impregnavam. Letras em mim. Queria que aquelas palavras fossem partos meus, partes de mim. E de uma maneira ou de outra elas foram se instalando, procurando linhas, cada uma empurrando a outra para que coubessem todas ali, naquele espaço que se faria propício para tais inquilinas. Quanto mais eu as lia mais elas entravam. Chegou o tempo em que elas resolveram me fazer escrever algumas poesias. Bobinhas, coitadas! Tolas palavrinhas de uma criança sozinha! Mas antes disso acontecer elas costumavam me fazer falar sozinha. Lá estava uma menina magricela, cabelos longos cor de mel, a derramar do baú seus brinquedos e falava e falava e falava até encostar-se à beira da cama, repousando a cabeça ao braço, olhando o sol que ia embora e deixando que a noite lhe abraçasse os sonhos e, levemente, os passos de sua mãe vinham lhe avisar que era noite já e era preciso ajeitar-se para o jantar.


Mas, e o que tudo isso tem a ver com o fato de eu querer escrever longas histórias? Bem, acho que uma história que posso começar a deslanchar pode ser a dessa menina que desde muito pequenina caminhava uma trilha que lhe fora construída. Por vezes me confundo a um personagem que vai sendo escrito ao longo dos dias. Sem ansiedade, espero poder cumprir esse desejo, anélito. Primeiro tenho de arranjar um lugar seguro para, com cuidado, poder deixar essas palavras que pertencem à minha história. Peço a benção do Tempo, senhor das folhas cinzentas que caem em nosso quintal-vida, na quina de nossas lembranças, nas danças de nossos momentos, nos sonhos de nossa criança.


E interrompo o que escrevo agora para cantarolar uma cançãozinha que muito me agrada e pode ser que agrade também ao Tempo. Deixo aqui um trechinho dela: “Tempo amigo, seja legal, conto contigo...” e lentamente agora as horas passam enquanto espero as palavras saírem de dentro de mim. Penso que elas assinaram um tratado com ele e agora estão um pouco mais relaxadas. O que fazer agora que já não sei mais como alongar essa minha história? Eu me encontro vazia. Para onde foram todas elas, as palavras? Me deixaram órfã. Me deixaram a nadar. Me deixaram a ficar paralisada, mãos aflitas e compleição tristonha, quase sombria. E o Gil já dizia “É sempre bom lembrar/ que o ar sombrio de um rosto/ está cheio de um ar vazio/ vazio daquilo que no ar do copo/ ocupa um lugar...” e eu parei assim. Nem no pensamento elas quiseram passear.


Foto e texto: Jaquelyne de Almeida Costa

Comentários

Minha impressão é que você é muito talentosa, sensível e que escreve de uma maneira muito fluida. Por isso suas palavras não são partos nem partes suas que caem para o texto, são sopros.
Deixe que se misturem com o vento, o ar puro e as fumaças. De preferência de incensos.
Luiz Vita disse…
Gosto do seu texto em prosa.Você deveria escrever mais. Já te falei isso e vejo que você está fazendo. Não desperdice esse talento. Talvez não precisemos de tantos jornalistas, mas bons escritores estão em falta.
beijos
luiz
"Letras em mim."

tu letras
eu sonho.

Jaque,
tantas vezes não consigo depositar em palavras o que sinto, e me sinto culpado por não transformar, mas sou devoto demais do momento. Como agora, surgiram milhões de coisas na minha cabeça, só que você e seu relato destacaram-se mais, soltaram os meus cavalos, e aí me perco, e sou tão feliz.

um beijo grande,
milhões de flores
e no coração te tenho.
Jaquelyne Costa disse…
MR,

muito obrigada por estas palavras tão elogiosas!!
Sensível reconheço que sou, bastante até...

Um grande beijo=*
Jaquelyne Costa disse…
Luiz,

você está sempre me incentivando!!
Gosto muito disso!!
Obrigada, querido!

Continuarei...

Beijos=*
Jaquelyne Costa disse…
Abraão,

tu falas por mim, meu menino...
Adoro tuas palavras, elas sim, fazem-me viver sempre mais...

Beijos=*
Andréia M. G. disse…
Sejam longos ou não, estou me deliciando com seus textos. :-)
Denise disse…
Talento...sensibilidade
que chega a mim como um sopro........uma caricia ,um afago.

não sei pq esses questionamentos sobre longas historias quando as vezes uma unica palavra dita por vc............diz tanto.

vc é incrivel e MUITO especial

Denise
Jaquelyne Costa disse…
Ai, Andréia!!

Que bom saber disso!!

Um grande beijo!
Jaquelyne Costa disse…
De,

você encheu minha bola, hein!!!

Nossa!!!
Não é o contrário, não?!!!
Certeza mesmo tenho de você ser SUPER genial!!

Um beijão
Unknown disse…
E quem foi que disse que escrever é fácil?

Eu particularmente não sei escrever e não gosto de quem escreve profissionalmente. Sou um amante das poesias amadoras. Pois no meu entender estas não foram pré-fabricadas com o intuíto chamativo de tocar uma pessoa, mais sim com um intuíto subjetivo de trazer a tona os sentimentos reais que nos envolvem.

Direto do Rio.
CHEIRO PERNAMBUQUINHA.

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