O que passou e nunca passa
Foto: Google
Olhei
para trás. Naquele momento não sei o que me deu, que força estranha me tomou e
eu olhei para trás. Foram mãos invisíveis puxando meu rosto e meus olhos sempre
tão curiosos avistaram aquela cena. Sim, eu poderia ter seguido adiante, mas
meus pés quiseram ficar, fincaram-se naquele chão como a raiz de uma velha árvore.
Eu,
ali, arvorecendo, o tempo a passar e a congelar meus movimentos. Havia uma
música? Não. Não havia senão o som do meu sangue a romper os limites de meu
corpo, ávido. O peito ascendia e declinava pelo ar em demasia, o coração em
sístoles e diástoles apressadas como que a querer saltar de dentro e percorrer
o mundo, abraçar aquelas lembranças que haviam criado vida. Sufocá-las de tanto
abraçar até que só restasse o pó das coisas eternas.
No
cinema que é esse monte de memórias eu estava ali de expectadora, silenciosa,
os rios se formando na face, os sentimentos em profusão dançavam sua ciranda, e
eu me sentia impotente diante do que perdia. Passageiro perdendo o último trem
da noite. Havia um caminho e fui forçada a me desvencilhar. Apartaram nossas
mãos, e num redemoinho ininterrupto foram-se os amores feitos carne. Fiquei só.
Estava muda e os gritos me devoravam o peito, mordiscavam meus nervos.
Estava
só e aquelas vozes me aconselhavam também seguir ao lugar dos mistérios, a
habitação final. Decretaram-me sucessivos lutos. Corri tanto para alcançar uma
realidade que tanto temi. Ofegante ainda me encontro. Olhei para trás. Estão
sempre levando meu rosto a seguir meu rastro. O que passou está sempre
acontecendo dentro de mim, como a música que ouço está sempre a se repetir. São
marteladas achatando a pequenina e pálida alegria, batendo e retirando os pregos
de uma dor bem profunda.
Jaquelyne Costa - Janefli desde nascença
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