Umas canções problemáticas

Saí da faculdade, passei por uma tumultuada avenida, e numa rua à direita, de calçadas da largura de um pé, resolvi entrar. Ao fundo, uma grande árvore de flores laranjas (cujo nome não lembro agora) denunciando o contraste do amarelo e do cinza – o longo banco de cimento e ferro da orla fluvial Juazeirense. Eram mais ou menos umas quatro da tarde. Eu estava fatigada pelo castigo do sol em minha pele e a tortura psicológica de uma aula sem precedentes na apatia. Realmente, era uma tarde chata, porém, comum na minha rotina de séria estudante séria. Sento-me. Ajeito-me naquele incômodo banco; a bolsa sempre grudada como se já fosse um membro do meu corpo; o suor escorre-me pela testa, eu pego o lenço e resolvo esse problema; respiro fundo (um cheiro pavoroso de esgoto à beira-rio me faz tossir, achei por bem não respirar tão fundo assim) e contemplei a bela paisagem do Velho Chico que tanto me inspira.




Pensando na vida, na morte da bezerra e juntando dois com dois para dar cinco, fui retirada de meu transe psico-vácuo por um fusca verde lodo que passou estourando meus tímpanos com um pagode muito animado que dizia o seguinte: “... ela é problemática/ela é problemática/ e eu disse que ela é problemática...” claro que numa seqüência de impregnar mentalmente e para sempre essa canção tão “problemática”! Pronto! Aquilo me deixou com os miolos fervendo! Eita que foi trabalho para esquecer aquela música repleta de conteúdo. Minha alma estava arrepiada. Respiro novamente, só que desta vez, procuro não sentir tão profundamente o esgoto quente que me queima as narinas e os pulmões. Calma, volto ao meu transe psico-vácuo, tiro um pirulito da bolsa para matar o tempo e o amargor dessa tarde “problemática”. De repente, um Fiat Strada me passa pela avenida como se fosse o palco de um show ambulante tocando um forró eletrizado que dizia mais ou menos assim: “Você não vale nada, mas eu gosto de você/ você não vale nada, mas eu gosto de você/ e tudo o que eu queria era saber por que/ e tudo o que eu queria era saber por quê...” Que música mais machista! Que horror!



Depois disso não pude mais resistir. Levantei daquele quente e desconfortável banco de cimento, olhei para o sol que ainda despejava com força seus raios amarelos, ajeitei a bolsa e quebrei o pirulito para alcançar o chiclete mais ligeiramente. Numa cansada revolta tomei o rumo do ponto de ônibus e fui deixando para trás aquela paisagem fluvial que muito pouco a desfruto. Todo o mundo sabe o quanto é insuportável esperar por ônibus coletivo, e eu passei um ano, criando raízes no ponto. A história se repete problemática, não valendo nada e eu gostando não sei por que. Vai ver que ser mulher é culpa minha mesmo e vou ter de pagar pelo crime ouvindo minha imagem ser demolida em cordas de cavaquinho com ecos risonhos emitidos por alto-falantes e teclados eletrizados numa rude imitação de sanfona dessas pisadinhas.



Jaquelyne de Almeida Costa

Comentários

Áires Cássia disse…
Um máximo seu texto...muito bom mesmo.
O problema que nós mulheres superamos todos os limites...e homens na verdade são limitados...rsrsrs....
Beijos e tenha um ótimo feriado...
Muito bom...
Jaquelyne Costa disse…
Áires, você falou o que eu queria!!
Um ótimo feriado pra você também!

Beijokas=*
byTONHO disse…
Concordo com tudo que disse a Áires...
Viajei contigo neste "passeio" menina!
Beijos!
Dexter disse…
Que situação "problemática"! he he!

Beijos.
Jaquelyne Costa disse…
Tonho!
Obrigada por passear comigo!!

Beijos=*
Jaquelyne Costa disse…
Ric!
Sim, realmente foi uma situação problemática!!kkkkk....

Beijos=*
Cristiane Marino disse…
Oie!

Damos tudo de nós para conquistarmos um lugar ao sol e assumimos uma posição diante da vida de mulher maravilha!

bjins
Ester disse…
Oi Jaque,

vc escreve tremendamente bem,
passeamos juntos com vc e suas palavras, isso é que é um bom texto!

Só falta vc criar coragem ($) e
escrever um livro!


bjs,
Jaquelyne Costa disse…
Olá,Cristiane!!
Bom vê-la aqui!
POis é, a gente é capaz de coisas melhores!!

Beijos=*
Jaquelyne Costa disse…
Ester, você tem razão!!
Só me falta essa coragem ($) que aí eu lançarei meu livro, um sonho pra mim!

Obrigada por vir aqui!!

Um grande beijo=*
Giuseppe Menezes disse…
Gosto muito desses seus relatos. É uma revolta contida mas mordaz.
Juci disse…
Exatamente como conheço essa pessoa, mas no seu relato faltou algo amiga, q tenho certeza que fizestes, rsrsr, auqele sonoro "tchi", kkkkkkkkkkk, o percurso td..
Um pouco de capote, e mto de Jaque. Parabéns!!
Jaquelyne Costa disse…
Gepp!!
Minha revolta é coisa pra escrever!!
Boto a boca no trombone!!kkkkkk..

Beijos=*
Jaquelyne Costa disse…
Juju, kkkkkkkk!!
Vc é fogo!!
Sim,faltou o meu tsqui!!
Kkkkkkkkkkkkkk

Beijos=*

Postagens mais visitadas deste blog

Travessia da saudade

Poema do sim e do não